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Fenômeno Astrofísico: estrela Eta Carinae está prestes a se apagar

Sexta-feira, 18 jul 2014 - 11h03
Por Rogério Leite
A cada cincos anos aproximadamente, uma interessante combinação de fenômenos astrofísicos ocorre na constelação de Carina e por cerca de 90 dias uma de suas estrelas deixa de brilhar. E isso vai acontecer de novo.


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O fenômeno, conhecido como "apagão de Eta Carinae" ocorre quando uma das estrelas do sistema binário, a menor e mais quente, penetra na atmosfera da companheira, maior e mais fria. O resultado é uma espécie de eclipse estelar de alta energia, que faz com que certas faixas do espectro eletromagnético, em especial os raios X, sejam bloqueados.

Isso começará a acontecer a partir de 23 de julho de 2014 e será acompanhado aqui da Terra.

Segundo o professor Augusto Damineli, pesquisador do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo, o apagão não ocorre apenas em decorrência da passagem de Eta Carinae A na frente de Eta Carinae B, as duas estrelas envolvidas diretamente no processo.


Utilizando dados registrados em diversos telescópios da América do Sul durante o último apagão do objeto, Damineli e seu colega Mairan Teodoro concluíram que o evento é constituído de uma série de fenômenos distintos e entrelaçados.
"O apagão é a combinação da entrada de Eta B dentro do vento solar de eta A, somado ao eclipse propriamente dito e por fim do colapso da estrutura de colisão (choque) entre os ventos das estrelas", explicou Damineli.



O tempo estimado de duração do apagão é de cerca de 90 dias, sendo de 30 dias a fase do eclipse. O tempo restante pode ser creditado ao intrincado mecanismo associado ao colapso dos ventos estelares.


Como acontece o apagão de Eta Carinae


Para entender exatamente o que ocorre é necessário explicar que Eta Carinae é um sistema binário, composto de duas grandes estrelas que orbitam entre si. A principal e maior é Eta Carinae A, de aproximadamente 90 massas solares e a segunda é Eta Carinae-B, bem menor, com cerca de 36 massas solares e dez vezes menos brilhante.

Parte do fenômeno do apagão já era já razoavelmente conhecido e estudado - inclusive pelos próprios pesquisadores brasileiros - e é atribuído, como explicado, à passagem de Eta Carinae A na frente de Eta Carinae B. A outra parte do evento é entendida como a interação dos ventos das duas estrelas.

No entender dos cientistas, após o término do eclipse os dois objetos estarão se aproximando do ponto da menor distância entre eles, chamado periastro, que é da ordem de 230 milhões de quilômetros. Neste momento, os ventos de Eta Carinae A passam a dominar o sistema duplo e bloqueiam os ventos da estrela menor Eta Carinae B, soprando-os de volta à superfície.

Ocorre então o que é chamado de colapso da zona de colisão dos ventos estelares, que até aquele instante estavam em equilíbrio. Isso, segundo os pesquisadores, trás duas consequências imediatas: o bloqueio da emissão de raios-x que chegam à Terra e o mais interessante, promove emissão eletromagnética no comprimento do ultravioleta. Em outras palavras, em pleno apagão de raios-x ocorre um clarão em ultravioleta, fenômeno que nunca havia sido observado.


Linha espectral


Esse inesperado brilho no ultravioleta já havia sido registrado pelos brasileiros durante o último apagão da estrela, ocorrido em 2009 e detectado de forma indireta por meio do registro de uma fraca linha espectral de gás hélio duplamente ionizado, a Hell 4686 A. Essa linha, identificada em um equipamento chamado espectrógrafo, é uma espécie de assinatura característica da existência de uma fonte de raios ultravioleta naquela região.

“O sinal do hélio ionizado que vimos durante o apagão de 2009 é apenas 20% maior do que o limite capaz de ser medido por telescópios”, disse Damineli. Segundo ele, isso equivale ao brilho de 10 mil sóis no comprimento de onda do ultravioleta extremo.


Será visível?


Embora o bloqueio eletromagnético ocorra em uma ampla gama do espectro eletromagnético, a variabilidade luminosa no comprimento de onda da luz visível é pequena, por isso o fenômeno só foi descoberto em 1992, embora esta estrela é monitorada há mais de 200 anos.

A observação do apagão ganha seu esplendor quando observado no seguimento das altas energias e também nas linhas espectrais do helio duplamente ionizado e do helio uma vez ionizado, visível no espectro ótico.


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Experimento


Um dos experimentos mais interessantes está sendo feito pelo astrônomo amador Rogério Marcon, a partir de seu observatório localizado em Campinas, SP e consiste em fazer uma imagem por dia de Eta Carinae através de um espectroscópio caseiro, construído por ele mesmo. Isso permitirá a Marcon confirmar as diversas fases do apagão através do desaparecimento da linha espectral de 6678 angstroms, relativa ao helio uma vez ionizado, situada na região do vermelho. Animando-se o gráfico será possível "ver" o início, meio e fim do apagão.


Fases do apagão


O periastro terá início em dia 23 de julho, quando os ventos de Eta Carinae A passam a dominar o sistema duplo e bloqueiam os ventos da estrela menor Eta Carinae B, soprando-os de volta à superfície. Essa fase deverá durar até 2 de agosto.

Entre 11 de agosto e 30 de setembro ocorrerá a fase do colapso dos ventos estelares, quando a emissão de ultravioleta produzida pelo hélio duplamente ionizado atingirá o seu pico no comprimento de onda de 4686 angstroms.

"Embora tenhamos proposto a existência de um colapso dos ventos, os detalhes desse mecanismo ainda precisam ser monitorados e explicados. Este é o objetivo principal do nosso estudo em 2014", disse Damineli.

Eta Carinae e suas explosões


Eta Carinae é um objeto gigantesco e distante. Não é possível de ser visto à vista desarmada, mas pode ser encontrada com auxílio de binóculo ou telescópio na constelação da Carina, situada ao lado do Cruzeiro do Sul.

Seu diâmetro é de cerca de 135 milhões de quilômetros e sua luminosidade chega a ser 5 milhões de vezes maior do que a do Sol. Quando entra no período de blecaute, deixa de emitir radiação no espectro de raios X, ultravioleta e ondas de rádio.

Estrelas muito grandes como Eta Carinae esgotam seu combustível muito rapidamente devido à sua grande massa e alta luminosidade. De acordo com os cientistas, Eta Carinae pode explodir como uma supernova ou hipernova a qualquer momento.

“Quando explodir, sua morte deverá produzir uma explosão de raios gama, o tipo de evento mais energético que ocorre no Universo”, afirma Damineli.

Há 170 anos, a megaestrela entrou em sua fase terminal. Desde então sofre grandes explosões e perde matéria da ordem de dezenas de massas solares, o que aumenta temporariamente seu brilho.

Em 1843, uma nova explosão fez a Eta Carinae brilhar 10 vezes mais que o habitual, rivalizando em intensidade com Sirius, a estrela mais brilhante do céu noturno. Algumas fontes afirmam que o brilho foi tão intenso que era possível ver Eta Carinae em pleno dia durante muitos meses, mas segundo o astrônomo brasileiro

Alexandre Amorim

, essa informação não consta nos principais catálogos oficiais de estrelas variáveis ou Atlas Celeste.



No topo, Eta Carinae observada em junho de 1996 pelo telescópio espacial Hubble. Há 170 anos a estrela sofreu uma forte explosão que produziu dois gigantescos lóbulos. Na sequência, Augusto Damineli fala sobre o evento. Acima, gráfico do espectrógrafo de Rogério Marcon mostrando a linha espectral que deverá sumir durante o evento. Créditos: Nathan Smith (University of California, Berkeley), NASA, Fapesp, Rogério Marcon, Apolo11.com.

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