Quarta-feira, 29 mai 2013 - 08h12
Por José Alberto Vivas Veloso
No ultimo 24 de maio um forte terremoto de magnitude 8.3 balançou a península Kamchatka, uma vasta e pouco conhecida região situada no oriente da Rússia. O tremor a 600 km de profundidade, sob o mar de Okhotsk, resultou da lenta movimentação – cerca de 80 mm/ano - das placas Americana e Eurasiana abaixo da placa do Pacífico.
Clique para ampliar Kamchatka é uma região de beleza incomum. São montanhas, vulcões, amplos vales, zonas geotérmicas, florestas e animais selvagens, como os maiores ursos marrons conhecidos. Sua densidade demográfica é muito baixa, o inverno é rigoroso e os ventos são fortes e constantes. Rios numerosos e topografia exuberante não igualam o encanto dos vulcões. Há mais de uma centena e 28 deles são ativos.
A península integra o Cinturão Circun-Pacífico, uma zona de violência que se estende por 48.000 km em volta do oceano Pacífico. Ali estão 75% de todos os vulcões continentais ativos da Terra e a maior parte dos terremotos do planeta, especialmente os sismos de maior magnitude, os conhecidos super-terremotos. No sul da península de Kamchatka aconteceu o quarto maior tremor do século 20 - magnitude 9.0, em 4/11/1952 - e desde 1923, foram registrados outros oito sismos com magnitude >= 8.3.
Passado o tempo o extravasamento de mais material vulcânico conectou as ilhas em um só corpo para, finalmente, ligá-lo a massa continental da Ásia. Com o contínuo deslocamento das placas tectônicas a península se vê afetada por intenso tectonismo.
Na oportunidade recebi um irrecusável convite para juntar-me a uma expedição de cientistas russos para uma viagem de mil quilômetros, durante três dias. Ela foi feita de helicóptero e o alvo eram os vulcões. Com voos rasantes crateras e paredões pareciam ao alcance das mãos e até cheiro de enxofre entrava pela escotilha da cabine. Sucediam-se cones nevados, crateras fumegantes e edifícios vulcânicos despidos de vegetação e cobertos de lavas escuras. Pairamos acima da cratera do Maly Semiachik, que se eleva a 1.560 m de altura. Conhecido como vulcão do Lago Azul, sua cratera formada há 400 anos agora esta preenchida por água de cor azul-turquesa. Do chão vimos o maior e mais ativo dos vulcões da península, o Kliuchevskoi com o cume beirando os cinco mil metros. O sul de Kamchatka não esta tão longe do Japão e tal distância parece poder ser percorrida quase que "pulando", de um a outro ponto, ao longo do arco de ilhas das Kurilas. Para o nordeste, a península mistura-se com o limite oriental do território russo e é bem ali que o estreito de Bering mais se afina. Surpreendente. Apenas um pedacinho de mar separa a Rússia do Alaska. Tal posicionamento geográfico concedeu imensa importância estratégica a Kamchatka, particularmente no período da Guerra Fria.
Obter a máxima capacidade de guerrear, justamente para evitar a guerra, pode soar contraditório, mas foi essa doutrina que, possivelmente, salvou o mundo de uma nova grande guerra. Assim, graças ao fenomenal estoque de armas nucleares das duas potências, tornou-se difícil uma guerra entre elas.
De fato vi dezenas de aviões de treinamento se deteriorando ao relento, um sem número de tanques e carros de combates empilhados como se fossem de brinquedo e algumas dezenas de navios de guerra lado a lado, como figuras fantasmas em uma baía de águas tranquilas. Recentemente, a mídia anunciou que os russos voltaram a patrulhar suas fronteiras com poderosos bombardeiros que andavam aposentados e o governo anunciou investimentos para reativar e aprimorar seus arsenais. O mundo dá voltas, o tempo passa e o amanhã poderá ser diferente do cenário internacional unipolar de hoje.
Sobre o Autor José Alberto Vivas Veloso é geofísico e chefiou por quase duas décadas o Observatório Sismológico da Universidade de Brasília. Na ONU, ajudou a estabelecer o Tratado de Proibição de Testes Nucleares, dirigindo por sete anos a seção de detecção por infrasom. É autor do livro "O terremoto que mexeu com o Brasil". LEIA MAIS NOTÍCIAS
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